esse jardim é todo feito de isopor ...'
Que se perca o comodismo por algum instante –
‘[...] por aquela ânsia e soência, de avançar, a avançar, agora podia desequilibrar a boa regra de tudo.’ [Guimarães Rosa em Grande Sertão: veredas]
·
SOÊNCIA – derivado do verbo soer. Costumar, ter
por hábito.
O que me incomoda é a comodidade
de ser/ter/estar que se instala em nós.
Nos acostumamos, logo nos acomodamos com
o que temos, com o que somos e onde estamos, porque é simplesmente confortável permanecer assim, sem nada mudar. Aceitamos
a ‘boa regra’ de que tudo precisa ser de uma maneira só. Não que eu ache ruim, mas, e se eu quisesse e preferisse me arriscar e inverter a ordem, fazer
diferente do esperado, frustrar as expectativas, começar tudo de novo, mudar de lugar, andar de bicicleta,
cuidar somente dos filhos, fazer outra faculdade, etc? Infelizmente nem tudo o que é confortável é o melhor.
Acho que vez ou outra, por algum
instante, temos que nos permitir experimentar coisas novas e diferentes, ter
desejos maiores, avançar, sair do conforto, se incomodar.
Busque a felicidade e não a boa regra de tudo!
Eu sei mas não devia
[Marina Colasanti]
[Marina Colasanti]
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a
morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as
janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não olha pra fora, logo se acostuma a aceder cedo a
luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque
está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduiche porque não dá para almoçar.
A comer sanduiche porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho
porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar
cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a esperar
o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
E
a lutar para ganhar dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as
coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais
trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em
que se cobra.
A gente se acostuma à poluição.
A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e
cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os
olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A gente se
acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando
não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma
revolta acolá.
Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce
um pouco o pescoço.
Se o trabalho está duro a gente se consola pensando
no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o
peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, que se perde de si mesmo.
Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, que se perde de si mesmo.
quem me inspira hoje: Sueli Emerich, Maressa Moura, Gustavo Dias
2 comentários:
Muito bom!
Essa musica faz parte da minha vida escolar, a gente estudava ela no cursinho PreTecnico... rs!
Tá bom demais por aqui, não pare nunca. Beijos
O comentário acima sou amiga: Cycinha
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